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sábado, 26 de março de 2011

Ou isto, ou aquilo!

Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva ou não se tem sol,
ou se tem sol ou não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro doce,
ou compro doce e não guardo dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Cecília Meireles

Pedagogia do Afeto

Afeto e autoridade na educação das crianças
Gérard Guillot
Educar uma criança supõe conduzi-la ao racional e ao razoável sem negligenciar sua experiência afetiva

Uma criança tem necessidade de um quadro estruturante, com referências e limites claros, para construir sua personalidade. Dessa perspectiva, todos os adultos encarregados de sua educação têm o dever de assumir suas respectivas responsabilidades, evitando o duplo perigo, de um lado, do autoritarismo e, de outro, do permissivismo. Um professor, um pai ou mãe ou um educador deve instaurar as "regras do jogo social", do viver junto, sem impor uma tirania subjetiva nem uma não-diretividade mal compreendida.
O "capricho do príncipe" transforma o sujeito em objeto. O "professor camarada" parentaliza a criança, jogando nas costas dela cargas que vão muito além de sua maturidade. Em suma, educar as crianças requer que os adultos ousem assumir sua autoridade de "adultos do cotidiano", que está muito longe das sereias dos falsos adultos do mundo do espetáculo e do universo midiático onde costuma reinar um adolescentrismo ou mesmo uma infantilização. Para isso, o adulto deve adotar aquilo que chamei de autoridade de bons-tratos (Guillot, 2008).
Esta tem como principal função autorizar a ser, a existir, a crescer, a expressar emoções (alegria, raiva, tristeza), a aprender, a amar, a criar. Implica o respeito, a priori e incondicional, à pessoa da criança. Trata-se de uma postura ética, cuja exigência suprema é promover a condição humana em toda criança, quaisquer que sejam suas particularidades. Porém, autorizar a ser não autoriza a fazer o que quiser: proibições, limites e regras são indispensáveis, com a condição de incidirem sobre o que as crianças fazem, jamais sobre o que elas são.
As proibições fundamentais dizem respeito a qualquer conduta que atente contra a dignidade humana delas mesmas ou de outrem. Assim, entre as regras do viver junto, é preciso distinguir as regras éticas e legais, não-negociáveis, e as regras normativas ou convencionais que se constroem, por exemplo, com os alunos na sala de aula. As primeiras são fundadoras do vínculo humano; as segundas, condicionadas às primeiras, permitem associar os alunos à sua elaboração a fim de responsabilizá-los com os vínculos sociais que se tecem nas diversas situações da vida.
Mas uma criança não é um ser de pura razão (como, aliás, tampouco o adulto). Cada criança, em sua singularidade, comporta-se em função de sua afetividade, de sua experiência emocional. Além disso, uma criança vive no presente. Sua educação tem uma dupla finalidade: primeiro, levá-la a conciliar seu princípio de prazer com o princípio de realidade, para usar os termos freudianos; segundo, favorecer sua inscrição na temporalidade longa, que é a da história, como também a de toda aprendizagem. A primeira finalidade esbarra no obstáculo do capricho, da chantagem afetiva; a segunda esbarra na dificuldade de "adiar o prazer" (Freud, 2004).
Os afetos, as emoções e os sentimentos são essenciais. Não se trata absolutamente de negá-los, de reduzi-los nem de atrofiá-los: trata-se conciliá-los com a objetividade, a lucidez e o espírito crítico que a escola tem como missão desenvolver. Um ser puramente cognitivo, se pudesse existir, seria frio, aborrecido, perigoso e, sem dúvida, infeliz. Seria mutilado dessa parte de humanidade que é também de coração, de desejo e de carne. O ser humano, desde a mais tenra infância, é um ser plural: nele o intelecto e a razão misturam-se com o sonho e o imaginário.
Educar uma criança supõe, portanto, conduzi-la ao racional e ao razoável sem negligenciar sua experiência afetiva. Isso não significa, porém, que devamos amar toda criança: o amor é eletivo, a simpatia é fonte de exclusão. Nem todas as crianças - e o mesmo se aplica aos adultos - parecem-nos simpáticas e, reciprocamente, nem sempre somos simpáticos a elas. Seria um erro querer fazer o jogo da simpatia, da sedução pedagógica, pois assim se desviaria o objetivo cultivando o próprio narcisismo. Um educador, um professor em particular, é um profissional da educação, não um tecnocrata sem estados de alma, mas um homem ou uma mulher que, com a distância do respeito, sabe demonstrar cordialidade calorosa, sem projeção subjetiva, e empatia em relação a todas as crianças. A questão é amar o estado de infância da humanidade em cada um.
Uma grande dificuldade é não se deixar levar pelas fortes demandas espontaneamente afetivas das crianças. A pedagogia é a arte de não responder afetivamente a essas demandas, mas de oferecer como resposta uma benevolência compreensiva que as reoriente para um outro terreno. É por isso que o relacional necessita de mediações para não cair no confusionismo. Assim, um professor é um mediador entre a criança e os valores éticos universais, entre a criança e a lei, entre a criança e as aprendizagens, entre a criança e a ação.
Se a escuta e o diálogo são evidentemente essenciais, a ação também o é. Uma criança é um ser de emoção e de ação. Ao chegar à sala de aula, sua primeira expectativa, ao menos no início, é "O que é que a gente vai fazer?". É muito comum que o adulto adie a ação em proveito de uma introdução com longas explicações e, diante desse discurso, muitos alunos perdem a vontade de fazer, isto é, a motivação. Aprende-se fazendo, e as reflexões sobre a ação, as sínteses durante o trajeto e depois uma síntese final permitem às crianças compreender melhor, obviamente, do que um "modo de usar" anunciado previamente e a ser executado. É comum que os alunos aprendam respostas a perguntas que não se fizeram.

Começar uma aula é se colocar em posição de questionamento, de um questionamento do qual o aluno pode apropriar-se sem se resignar a "seguir" instruções. O "sentido" é a direção: se não for percebido no início, os "familiarizados" com o sistema escolar usarão do oportunismo escolar adquirido (particularmente em função de seu meio social e cultural de origem), enquanto os outros procurarão empiricamente, tateando às cegas − e, como sabemos, o fosso entre os dois grupos se aprofundará. A pedagogia deve ser uma aventura comum que apague as heranças, uma história a construir juntos, graças a projetos, e não um destino a se submeter.
A educação das crianças consiste em organizar atividades nas quais elas aprendam juntas a cooperar. Dessa perspectiva, os adultos têm um dever de exemplaridade: trabalhar em equipe é apresentado hoje como uma evidência, mas muitas vezes o obstáculo é o afetivo: "Eu quero muito trabalhar, mas não com ele ou com ela!". Além disso, os professores, os pais, os educadores, os atores institucionais e sociais que participam dessa educação também devem cooperar, colocando em prática uma parceria que respeite sempre o ponto de vista do outro, a mais cordial possível, uma parceria que não deve ser facilmente reduzida a uma parceria de afinidades, mas sim uma parceria de competências.
Para concluir, a noção que está ao mesmo tempo na base e no horizonte de relações frutíferas entre crianças, entre crianças e adultos, entre adultos, é a da auto-estima. Uma auto-estima negativa - isto é, não se amar, não se estimar, desvalorizar-se - conduz às duas atitudes de defesa de que dispomos: a inibição, o retraimento ou a agressividade, e a arrogância compensatória de um complexo de superioridade geralmente fonte de uma sede de poder. Para se estimar, é fundamental não só se sentir respeitado e estimado pelos outros - é o registro do olhar e da palavra -, mas também aprender a se estimar mais - é o registro da ação e da ação compartilhada. Desenvolver o sentimento de auto-eficácia, como mostram, por exemplo, os trabalhos de Bandura (1997) em psicologia cognitiva, é uma chave educativa e pedagógica essencial.
Na escola, e ao longo de toda a vida, não se aprende por aprender, mas se aprende para, de forma progressiva e sem fim, pensar e julgar por si mesmo. A autonomia e o espírito crítico e criativo formam-se e desenvolvem-se graças às aprendizagens. Contudo, também se aprende para experimentar o prazer de descobrir e compreender o mundo, de operar com os outros. Uma criança pequena não aprende de maneira seca e direta: ela aprende investindo sua corporeidade, sua sensibilidade e seu imaginário. É preciso primeiro sonhar o mundo para depois compreendê-lo: daí a importância, particularmente, da educação artística e da expressão corporal.

Não se trata de relegar a um futuro hipotético o domínio da língua e da matemática, mas sim de nutri-la de competências transversais: uma regra árida e necessária não pode ser incorporada sem ser irrigada pela seiva de imagens, de metáforas, de exemplos familiares, que são o trampolim da abstração. Ao professor cabe encontrar os "balões dirigíveis pedagógicos" que ajudem o aluno a se elevar acima do labirinto cambiante de suas representações: aparecerão caminhos errantes para levar ao essencial. Acompanhar com júbilo e vigilância, como Sócrates, pastor de uma verdade estelar, não seria o papel "ideal" de um professor? Aprender e ajudar a aprender é entrar em desejância.
REFERÊNCIAS
BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: W.H. Freeman and Co Ltd, 1997. GUILLOT, G. O resgate da autoridade em educação. Porto Alegre: Artmed, 2008. FREUD, S. Introduction à la psychanalyse (1916). Paris: Payot, 2004

Revista Pátio - Ano VI - Nº 17 - Pedagogia das relações - Julho à Outubro 2008

Mário Quintana

Lindo Poema!









Raiva Passageira em crianças

Definição

Uma
raiva passageira ou birra é uma forma imatura de expressar ira ou aborrecimento. Ainda que tenha um caráter mais doce e sereno, seu filho provavelmente terá algumas birras. Ensine-o que as birras não dão resultado, e que elas não lhe farão mudar de opinião. Aos 3 anos de idade, você pode começar a ensinar seu filho a expressar seus sentimentos com palavras ("Você está com raiva porque..."). Devemos ensinar a nossos filhos que esta raiva é normal, mas que deve ser expressa de forma apropriada. Quando as crianças chegam à idade escolar, as birras devem ser raras. Na adolescência, você pode lembrar a seu filho que as explosões de raiva causam má impressão e que contar até 10 pode ajudá-lo a recuperar o controle.

Respostas às birras

Em geral, elogie seu filho quando conseguir dominar-se, quando expressar sua
raiva em palavras e ele mostrar-se disposto a cooperar. Seja um bom exemplo para ele mantendo a calma, sem gritar nem fazer pirraças de adulto. Evite bater nele, porque isto sugere a seu filho que você perdeu o controle. Use as seguintes respostas aos diferentes tipos de birra:

1. Apoie e estimule a criança que faz birra por frustração ou fadiga

Amiúde, as crianças fazem birra quando se sentem frustradas consigo mesmas. Podem estar frustradas porque não conseguem fazer alguma coisa. As crianças pequenas podem estar frustradas porque seus pais não entendem o que elas dizem. As crianças maiores podem estar frustradas por sua incapacidade de fazer seus deveres de casa.

Nestas ocasiões, seu filho precisa de estímulo e de um pai que o escute. Com um braço apoiado sobre seus ombros, diga-lhe alguma coisa que demonstre compreensão, tal como "Sei que é difícil, mas vai melhorar. Posso fazer algo para ajudar?". Elogie-o também por não se dar por vencido. Algumas destas raivas passageiras podem ser prevenidas fazendo com que se concentre nas coisas que consegue fazer bem.

As crianças tendem a fazer mais pirraças quando estão cansadas (por exemplo, quando não tiverem dormido à tarde), porque são menos capazes de enfrentar as situações frustrantes. Nestas ocasiões, faça com que seu filho deite-se. A fome pode contribuir para as pirraças. Se suspeita disto, dê-lhe um lanche. As birras também aumentam durante uma doença.

2. Não se importe com as pirraças motivadas pelo desejo de chamar a atenção ou obter algo

As crianças pequenas podem fazer birra para sair com a família. Talvez ele queira sair com você, em vez de ficar com a babá, talvez ele queira um doce, queira esvaziar a gaveta de um móvel ou queira sair para brincar lá fora durante a chuva. Nas birras para chamar a atenção a criança pode gemer, chorar, chutar o chão ou a porta, bater uma porta ou perder o fôlego. Enquanto seu filho permanecer em um só lugar e não apresentar comportamento destrutivo, você pode deixá-lo fazer isto tranqüilamente.

Se reconhecer que um evento em particular pode ter feito com que seu filho perca o controle, desvie a sua atenção para alguma outra coisa. Durante a raiva, se o comportamento da criança for inofensivo, ignore-o completamente. Uma vez que ele tenha começado a birra, raramente pode ser interrompida. Isole-se, inclusive indo para outro quarto para que a criança não tenha quem a escute. Não discuta com seu filho. Simplesmente diga-lhe: "Vejo que você está com muita raiva. Vou te deixar sozinho até que se acalme. Chame se quiser conversar". Deixe que seu filho recupere o controle. Após a birra, assuma uma atitude amistosa e normalize as coisas. Você pode prevenir algumas destas birras dizendo "Não" com menos freqüência.

3. Arraste fisicamente a criança que tem uma birra porque não quer ou evita fazer algo.

Se seu filho nega-se a fazer algo sem importância (tal como tomar um lanche ou descansar na cama), deixe passar este comportamento antes que começe a birra. Porém, se seu filho deve fazer algo importante, tal como deitar-se para dormir ou ir para o maternal, obrigue-o a cumprir o dever e ignore as birras.

Algumas destas birras podem ser prevenidas dando a seu filho um aviso 5 minutos antes, para que se prepare para a próxima tarefa. Uma vez que a birra tenha começado, deixe que seu filho continue por 2 ou 3 minutos. Expresse com palavras seu descontentamento: "Você quer continuar brincando, mas está na hora de dormir". A seguir leve-o para onde tem que ir (por exemplo, para a cama), ajudando-o tanto quanto for necessário (inclusive puxando-o pelos braços).

4. Para as birras de tipo perturbador ou destrutivo, utilize suspensões temporárias

Algumas vezes as birras são demasiadamente perturbadoras ou agressivas para que os pais a ignorem. Nestas ocasiões, mande ou leve a criança para seu quarto para que permaneça lá por 2 a 5 minutos. Alguns exemplos de comportamento perturbador são os seguintes:

- Seu filho bate em você.
- Seu
filho chora e grita durante tanto tempo que fica irritado.
- A criança faz birra em algum lugar público, como um restaurante ou igreja. (Leve a criança para outro lugar para sua suspensão temporária. Os direitos das outras pessoas devem ser protegidos).
- Seu filho joga algum objeto no chão ou causa danos materiais durante uma birra.

5. Domine a criança quando ela tiver birras que podem causar danos ou machucar alguém

Se seu filho perder totalmente o controle e gritar demasiadamente, você pode subordiná-lo. Perder o controle provavelmente atemoriza a criança. Subordine-o também quando ele tiver birras durante as quais poderia se machucar (como quando se joga violentamente para trás).

Tome a criança nos braços, diga a ele que você sabe que está com
raiva e mostre, com seu exemplo, a forma de dominar-se. Mantenha-o no colo até sentir que ele começa a relaxar. Isto geralmente leva de 1 a 3 minutos. A seguir, solte-o. Esta resposta reconfortante raras vezes é necessária após os 3 anos de idade.

Algumas crianças não querem ser consoladas. Tome seu filho nos braços apenas se isto ajudar. Se a criança disser "Não", afaste-se. Após passar a raiva, muitas vezes a criança vai querer que você o carregue por um tempo. Esta é uma boa maneira de reincorporá-lo às atividades da família.

Procure ajuda médica se:

- Seu filho se machucar ou machucar outras pessoas durante as birras.
- As birras ocorrerem cinco ou mais vezes ao dia.
- As birras também ocorrerem na escola.
- Seu filho tiver vários outros problemas de comportamento.
- Algum dos pais também tiver episódios de
raiva ou gritos e não puder conter-se.
- Estas recomendações não surtirem algum efeito em 2 semanas.
- Tiver outras dúvidas ou preocupações.

As aprendizagens escolares na educação infantil

Elvira Souza Lima
A criança pode formar comportamentos na educação infantil que servirão de base às atividades de estudo posteriores
A criança pequena realiza durante o seu desenvolvimento várias atividades de natureza biológica e cultural que criam, de forma natural, suportes para as aprendizagens escolares que acontecerão a partir do ensino nas séries que constituem a educação básica (Lima, 2004, 2007, 2008). Assim, falar em aprendizagens na educação infantil significa falar em desenvolvimento: o desenvolvimento adequado na infância é que possibilitará muitas aprendizagens escolares posteriores. As práticas culturais da infância promovem o desenvolvimento fundamental desse período, como a função simbólica, a percepção, a atenção e a perícia dos movimentos amplos e dos movimentos mais circunscritos das mãos, dos pulsos e dos dedos, estes últimos necessários para escrever.
Nas práticas culturais estão incluídas as brincadeiras infantis, os rituais, as festividades coletivas, a tradição oral de uma cultura. Ao realizar as práticas culturais, a criança também se apropria de objetos culturais, incluindo os instrumentos musicais, os instrumentos de desenho e os de escrita, entre outros. A criança realiza explorações com a tridimensionalidade, manipulando elementos da natureza, materiais diversos, objetos com formas geométricas e brinquedos. Essas explorações são de grande importância para o desenvolvimento posterior do pensamento geométrico e do pensamento matemático.

Esse período é marcado por um desenvolvimento de modos de fazer, de metodologias, de passo a passo, de sequências de ações de movimento executadas pelo corpo que acabam por criar memórias de procedimento. Em outras palavras, essas atividades constituem o método da metodologia de estudo: a criança pode formar comportamentos na educação infantil que servirão de base à formação de atividades de estudo posteriores.
Podemos considerar duas dimensões em que o desenvolvimento dá suporte para as aprendizagens escolares: a dimensão da informação propriamente dita (conhecimento) e a dimensão das atividades necessárias para se apropriar das informações (atividades de estudo), transformando essas informações em novas memórias ou na ampliação de memórias já existentes. Seria o mesmo que dizer que o conhecimento e o estudo levam a novas redes neuronais, criando novas memórias e ampliando as já existentes.

Observar e registrar são com­po­nentes básicos do fazer científico. Observar as formas e as cores na natureza e desenhá-las enquanto se está observando, por exemplo, é uma atividade que utiliza a estratégia de desenvolvimento do desenho, que é própria da infância. Acompanhar o crescimento de sementes que se transformam em plantas, as quais, por sua vez, crescem com o solo, a água e a luz, é outro exemplo de trabalho com o conhecimento científico de maneira adequada ao período de desenvolvimento por que a criança está passando. Desenhar em momentos diferentes e sucessivos o crescimento da planta − e poder olhar a progressão desse crescimento nos desenhos realizados − faz parte da formação do comportamento investigativo.
Artes e ciências integram-se na formação da criança pequena
As artes são atividades geralmente realizadas por adultos. No entanto, essas formas de atividade humana são comportamentos inerentes à infância - as artes constituem estratégias importantes de que a criança dispõe para aprender e desenvolver-se. Nas atividades próprias da infância, temos a música, o desenho, a pintura, a dança e o drama. Cada um desses domínios subdivide-se ou é formado por vários componentes.

Tomemos a música como exemplo. Ela envolve ritmo e melodia, é realizada por instrumentos musicais e/ou pela voz humana acompanhada ou não de instrumentos musicais. Com a voz se canta à capela, ou seja, sem acompanhamento de instrumentos musicais, se faz vocalização, canta-se melodia com e sem letra. Canta-se sozinho, em dupla, em jogral ou em coral. Canta-se na brincadeira infantil, nas festas e tradições culturais. A música pode acompanhar várias outras atividades humanas, inclusive durante certas atividades de trabalho.
A música constitui a formação do ser humano e, nos primeiros anos da infância, a criança utiliza os sons, a duração dos sons, o ritmo para a organização de seu movimento e domínio dos movimentos do corpo no espaço. Com a prática musical, a criança também lida com divisão e fração: a duração de cada nota e a composição de um compasso ou de uma frase musical tem como base a matemática. Como a escrita musical utiliza valores numéricos, ao aprender a ler e a escrever música, a criança aprende simultaneamente a lidar com as quantidades e com a representação simbólica dessas quantidades.


Educação dos sentidos

Ouvir, olhar, tocar são ações resultantes do funcionamento dos órgãos dos sentidos, as quais se formam com as bases biológicas da espécie e a partir das experiências culturais, das vivências que cada um de nós tem nos contextos dos quais participamos. A música, o desenho, o teatro, a escultura e a dança são atividades que educam os sentidos e a atenção. As artes desenvolvem a sensibilidade da pessoa e colaboram na formação de comportamentos de "prestar atenção". A realização de atividades artísticas demanda, por si só, a concentração: sem concentração, não há o funcionamento integrado do movimento com a percepção. O conhecimento científico depende, para sua apropriação, de atividades que começam justamente pela atenção e pela percepção. A ciência se faz com observação dirigida e registro.

A prática no campo das artes tem em comum com as ciências os princípios da percepção e da atenção para a criação de memórias. Tanto as artes quanto as ciências dependem da mobilização da imaginação, que acontece com a utilização dos acervos presentes na memória de cada um. A memória de trabalho utiliza esses acervos, articulados com os elementos que são trazidos pelo contexto a um determinado momento. A escola é um desses contextos. Portanto, a educação dos sentidos é parte integrante da percepção e da atenção e da formação das memórias necessárias para aprendermos os conhecimentos escolares.


Pensando em um currículo para a educação infantil
Partindo dessas realidades do desenvolvimento humano, podemos pensar no conceito de currículo para a educação infantil, incluindo também as crianças de 6 anos que ora chegam ao ensino fundamental de 9 anos. Podemos pensar em um componente curricular que contemple o movimento: ele é sempre importante para o ser humano, mas na infância assume um papel essencial de formação integral, de suporte para a memória, de meio expressivo e de comunicação. Misturar, mexer, empilhar, desmontar, montar, correr, rodar, pular, dançar e saltar são algumas das possibilidades de organização do movimento de que a criança pequena dispõe. Podemos pensar em um componente curricular para a formação da infância explorando a natureza, os movimentos da natureza, começando pelos astros e pela vida de plantas e animais.

A criança encanta-se com os movimentos da natureza: o ar, que ela não vê, desloca-se. Quando ele se desloca, a criança pode ver o que o ar provoca: impulsiona a pipa, faz voar a folha de papel, carrega folhas que também fazem piruetas. Simular o movimento do vento com o próprio corpo, desenhar objetos voando levados pelo vento são meios de construir imagens mentais (com movimento) que farão parte do acervo de memórias das crianças.
Os astros brilham e movem-se − um aspecto interessante está na percepção do movimento. A lua move-se do horizonte para a abóboda celeste: na perspectiva, ela muda de tamanho. Podemos pensar em outro componente curricular que trabalhe com as figuras geométricas planas e sólidas, com quantidades, com composições tridimensionais feitas de materiais diversos (pedaços de madeira, sucata, papelão, massinha, argila e elementos da natureza, como pedras, gravetos, conchas, sementes não-comestíveis, etc.).

A escrita e outros sistemas simbólicos devem fazer parte do currículo como produtos culturais. Assim, brincar com as letras utilizando o tato e o movimento das mãos ajuda a formar a memória das letras. Dramatizar, ouvir histórias, escutar música são atividades que colaboram para a formação do leitor e dão suporte para as atividades que futuramente levarão à apropriação da escrita.

A curiosidade infantil: fazer perguntas, responder perguntas

A curiosidade infantil pode ser a mola propulsora das aprendizagens escolares futuras. A curiosidade promove o estado de alerta, que é o primeiro nível do comportamento de atenção, e a partir dela é possível formar acervos de memória e desenvolver a imaginação infantil. Ao se interessar por alguma coisa e juntar a esse interesse um componente de indagação, a criança tem ainda a possibilidade de mobilizar a imaginação. A curiosidade infantil manifesta-se tanto em fatos da vida cotidiana quanto em relação a eventos menos frequentes ou inusitados. Ao aproveitá-la, os adultos podem propor uma série de situações que possibilitam a exploração de objetos e eventos sem, contudo, limitar a ação da criança.

A formulação de perguntas é uma atividade que ajuda a criar a organização posterior do pensamento da criança. Perguntar implica organizar informações em algum tipo de estrutura, mesmo que muito simples. A pergunta requer a utilização de algum critério que norteia a relação do significado de uma coisa para obter outros significados ou simplesmente para ampliar a compreensão anterior. Ao formular uma pergunta, a criança elabora o que percebe e as relações que estabelece entre os elementos percebidos.

Estes são alguns dos eixos curriculares que podemos pensar para a educação infantil. Eles envolvem o exercício da função simbólica, o desenvolvimento do movimento, a educação dos sentidos, o desenvolvimento da memória e da imaginação. Além disso, permitem o trabalho com o conteúdo, mas como elementos iniciadores de processos de desenvolvimento da criança. Assim, na educação da criança pequena, os conhecimentos são essenciais na formação humana e ajudam a forjar comportamentos dos quais ela dependerá em sua vida futura de estudante para ter autonomia em seus processos de aprendizagem na escola.
Elvira Souza Lima é antropóloga, psicóloga e consultora internacional de educação.
elvirasouzalima@gmail.com
REFERÊNCIAS
LIMA, E.S. A criança pequena e suas linguagens. São Paulo: Editora Sobradinho, 2004. ____. Brincar para quê? São Paulo: Inter Alia Comunicação e Cultura, 2007 ____. Ler se aprende com cultura. Série de cinco DVDs. Produção: NaNa Arts & Image. Distribuição Inter Alia Comunicação e Cultura. São Paulo, 2008.

Ano VII - Nº 19 - Para que serve a educação infantil? - Março

Para onde caminha a Educação Infantil!

Boa escolarização para as crianças de amanhã
Carolyn Pope Edwards
Como o trabalho educacional realizado em Reggio Emilia − e em escolas de outros países em diálogo com a cidade italiana − pode continuar sendo relevante nas próximas décadas
As crianças freqüentam a escola hoje, mas o que aprendem vão usar amanhã. Quando aprendem as habilidades e informações certas hoje, um futuro melhor as aguarda. Entretanto, como vivermos em tempos de rápidas transformações, tornou-se excessivamente difícil prever exatamente que problemas e oportunidades nossas crianças enfrentarão no século XXI. O que elas devem saber que lhes será útil e ajudará o planeta a sobreviver? Que modelo de escola há de servi-las melhor nos anos que estão por vir?

Como alguém que viveu nos Estados Unidos por seis décadas, mas também viajou extensamente, meu primeiro pensamento é que nenhum modelo de escola é o melhor. Na verdade, é bom quando líderes e cidadãos de um país são educados em uma diversidade de modelos, de forma que possam contribuir com diferentes pontos de vista aos debates e discussões de planejamento. Dediquei grande parte de minha vida profissional à descrição e à disseminação das abordagens educacionais pioneiramente instituídas em Reggio Emilia, na Itália. Neste artigo, pretendo explicar como o trabalho educacional realizado em Reggio Emilia - e em escolas de outros países em diálogo com a cidade italiana - pode continuar sendo relevante nas próximas décadas.

Para quem não conhece essa abordagem e o que ela representa, eis um breve histórico (ver também Gandini, 2002; Edwards, Gandini e Forman, 1998; Gandini e Edwards, 2001; Edwards e Rinaldi, 2008). Reggio Emilia é o nome de uma cidade localizada perto de Bolonha, ao norte da Itália, onde um grupo de educadores, pais e alunos voluntários reuniram-se após a Segunda Guerra Mundial para criar um sistema de escolas para crianças pequenas. Depois do sofrimento e da devastação causados pela guerra, eles queriam trazer esperança à sociedade e melhorar a vida tanto das crianças quando de suas famílias. Sob a liderança de seu diretor fundador, Loris Malaguzzi (1920-1994), as pré-escolas evoluíram de um movimento cooperativo de pais para um sistema administrado pela prefeitura. Malaguzzi era um educador carismático - um gênio teórico, mas alguém com senso prático que podia estender a mão a todos - , cuja morte não foi capaz de deter o progresso das iniciativas de educação para crianças pequenas. Hoje, Reggio Emilia ainda exerce um papel de liderança na inovação educacional na Itália, na Europa e, cada vez mais, no mundo todo.

Que problemas educacionais a cidade está enfrentando? Será que as respostas e soluções de Reggio Emilia sugerem que suas escolas continuarão sendo bons modelos para todos nós no século XXI? Reggio Emilia não é, evidentemente, um lugar estático, mas sim uma comunidade que está desenvolvendo-se e transformando-se em dimensões políticas, sociais e culturais. A administração municipal responde com ajustes correspondentes em suas escolas e em outros serviços. Por exemplo, a Itália está constantemente recebendo imigrantes da África e do Leste Europeu. Nos últimos 10 anos, a diversidade nas pré-escolas municipais de Reggio Emilia aumentou, sendo que atualmente 11,5% das famílias minoritárias representam 12 idiomas diferentes, um aumento enorme comparado com períodos anteriores.

Os educadores de Reggio estão conscientes de querer dar mais visibilidade a essas crianças e pais minoritários. Observando-se as recentes publicações e álbuns de fotos de Reggio Emilia, vêem-se hoje muito mais crianças e pais negros do que no passado, o que sugere novas atitudes e consciência. A maior visibilidade das crianças e de famílias minoritárias indica que Reggio Emilia, mesmo com todos os seus bens e recursos, confronta-se igualmente com muitas questões políticas e culturais de outras comunidades do mundo e está buscando formas de responder a elas. Considerando sua habilidade para resolver outros problemas complexos, podem estar mostrando-nos algumas novas estratégias importantes nos próximos anos.

Além disso, os jovens pais da cidade de Reggio Emilia não cresceram nas mesmas condições que os pais que fundaram o afamado sistema educacional pré-escolar; logo, não têm um automático senso de responsabilidade por ele. Os pais de hoje têm novos pontos de vista e desejos, pois cresceram no próspero final do século XX, e não nos tempos de desespero da guerra e no período do pós-guerra. Em resposta, o governo municipal de Reggio Emilia expandiu significativamente a variedade de programas e serviços oferecidos às criança, aos jovens e às famílias, com vistas a ampliar a base de defensoria e apoio público aos serviços como um todo e atrair mais fatias da população.

Por exemplo, a cidade oferece novos programas de meio-turno ou após as aulas, além de eventos culturais, com o intuito de reunir muitas pessoas de idades e ocupações diferentes. Uma vez que a cidade não tem condições de oferecer serviços de creche para todas as crianças (e nem todas as famílias querem esse serviço), outros tipos de programas culturais e educacionais importantes estão sendo fornecidos, como, por exemplo, aqueles relacionados com o ativo centro de reciclagem ReMida. Uma nova entidade dirigente foi criada em 2003 para proporcionar desenvolvimento profissional e apoio familiar para todas as pré-escolas de Reggio Emilia, além de existirem centros cooperativos de pais financiados apenas parcialmente por fundos públicos.

Os novos serviços têm o objetivo de romper barreiras e prevenir ressentimentos divisores entre famílias utilizando diferentes tipos de serviços pré-escolares. As soluções sugerem que os educadores continuam considerando suas escolas não como um caminho isolado, mas como parte de uma rede de serviços na qual o todo é maior do que a soma das partes. O que uma família recebe não pode ser separado do que é oferecido ou fornecido a outras famílias, enquanto as inovações ou facilidades e novos programas oferecem um modelo de comunidade que constrói conscientemente a advocacia de todo o seu sistema como parte de uma visão de construção que os italianos chamam de "cultura da infância".

Uma terceira grande mudança em Reggio Emilia é um esforço concentrado para encontrar modos sustentáveis e poderosos de receber visitantes e manter um diálogo internacional. A REChild, publicação oficial da organização Crianças de Reggio, foi lançada em 1996. Ainda mais significativa foi a inauguração do Centro Internacional Loris Malaguzzi, em fevereiro de 2006. Este já está tornando-se um lugar maravilhoso para a realização de conferências, encontros, oficinas e outros eventos educacionais. Delegações estrangeiras continuam fluindo para Reggio Emilia.

O novo centro está sediando conferências internacionais. Sua equipe planejou e instalou duas exposições: uma sobre a história da educação pré-escolar em Reggio Emilia e a outra sobre crianças e espaços arquitetônicos. Além disso, em seu Centro de Documentação, os educadores preparam uma nova exposição itinerante, denominada The Wonder of Learning: One Hundred Languages of Children [A Maravilha de Aprender: As Cem Linguagens das Crianças], que foi inaugurada em junho de 2008, em Boulder, no Colorado (EUA), durante a quarta conferência anual da North American Reggio Emilia Alliance (NAREA).

A exposição difere das versões anteriores devido à sua utilização expandida de formatos multimídia, tais como segmentos em DVD, que podem ser operados pelos espectadores em praticamente todas as seções da exposição, cobrindo tópicos variados, como alfabetização, música, participação e inclusão de crianças com deficiências. Os educadores de Reggio Emilia continuam desenvolvendo suas teorias e ampliando suas práticas, especialmente por meio de inovações no uso de tecnologia educacional e de uma rede de contatos e intercâmbio em expansão com educadores de muitos países.

Apresento a seguir seis princípios centrais da abordagem de Reggio Emilia − e minha crença de que eles ainda são relevantes na discussão sobre educação pré-escolar no século XXI.

           A imagem da criança como um aprendiz competente e poderoso. As necessidades e características das crianças nas escolas Reggio estão mudando no século XXI, mas a criança, em sua poderosa capacidade de florescer e desenvolver-se, continua sendo a mensagem central dos educadores.
           O professor como facilitador da aprendizagem e como pesquisador das experiências de aprendizagem das crianças. O papel dos professores de Reggio Emilia como nutridores, parceiros e guias na aprendizagem de crianças já foi bem-descrito. Novos papéis de treinador e mentor oferecem idéias sobre como professores mais experientes podem trabalhar como professores menos experientes em seu sistema, assim como prestar consultorias ao redor do mundo.
           O ambiente como outro professor, o qual oferece provocações para o aprendizado das crianças. A área de arquitetura, projeto de salas de aula e mobília para crianças é uma dentre as quais Reggio Emilia continua oferecendo modelos de tirar o fôlego, com o uso de iluminação, materiais, cores e organização que são intelectualmente emocionantes para crianças, pais, professores e visitantes.
           O currículo oferece provocações para as investigações a longo prazo das crianças em áreas de seu interesse. No passado, os educadores de Reggio Emilia evitaram ser demasiado explícitos sobre as decisões dos professores por recearem que as pessoas tentariam transformar essas descrições em um livro de receitas, mas a nova exposição, The Wonder of Learning, revela mais claramente a seqüência em que se desenrola um projeto de aprendizagem.
           As possibilidades oferecidas em apoio à aprendizagem das crianças quando pais, professores, alunos e a comunidade colaboram no processo de aprendizagem. As relações entre as pré-escolas e a cidade evoluíram por conta das mudanças na população, das novas instalações e estruturas administrativas e da liderança da organização denominada Crianças de Reggio (empresa pública e privada mista que administra as iniciativas de intercâmbio pedagógico e cultural). Elas oferecem aulas sobre parceria comunidade-professor na direção das escolas.
           O processo de documentação como meio de tornar a aprendizagem visível e aprofundá-la através da reflexão e de perguntas adicionais. As escolas de Reggio Emilia evoluíram para incluir um novo foco na música, no movimento, na dança e na tecnologia - "linguagens" das crianças que antes não eram enfatizadas - e novas estratégias para documentar e comunicar esse aprendizado por meio das novas tecnologias digitais.

Em suma, o que chamamos de "abordagem de Reggio Emilia" não é um modelo educacional no sentido formal, com métodos definidos, padrões de certificação de professores e processos de credenciamento. Em vez disso, os educadores de Reggio Emilia falam de sua "experiência" (o que significa todo o corpo orgânico do que aconteceu em suas escolas e por meio de suas interações em conferências, encontros e comunicações escritas). Os educadores esperam que suas experiências possam ser uma fonte de reflexão para os outros. Eles também enfatizam a importância do "contexto", ou seja, dos educadores de todas as partes formarem uma consciência profunda de si próprios em termos de comunidade, cultura, oportunidades, desafios e recursos. A intenção não é copiar Reggio Emilia, e sim desenvolver interpretações dessa experiência que sejam úteis para o estudo e a discussão de outros educadores que enfrentam suas condições culturais e educacionais.

Carolyn Pope Edwards é professora na Universidade de Nebraska-Lincoln (EUA).
cedwards1@unl.edu
REFERÊNCIAS

GANDINI, L.; EDWARDS, C. Bambini: the italian approach to infant-toddler care. New York: Teachers College Press, 2001. GANDINI, L. Crianças de zero a seis anos, seus professores e seus pais na cidade italiana de Reggio Emilia. Pátio - Revista Pedagógica, ano VI, n. 22, p. 60-62, 2002. EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. The hundred languages of children. The Reggio Emilia approach, advanced reflections. Greenwich, Connecticut: Ablex Publishers, 1998. EDWARDS, C.; RINALDI, C. The Diary of Laura: perspectives on a Reggio Emilia diary. De um projeto original do Arcobaleno Municipal Infant-Toddler Center, Reggio Emilia, Itália, em cooperação com Reggio Children. Minneapolis, Minnesota: Redleaf Press, 2008.
Ano VI - Nº 18 - O futuro da educação infantil - Novembro à Fevereiro 2008

Formação Continuada

A formação a partir da experiência vivida
Fernando Hernández e Juana María Sancho
É a indagação sobre as experiências significativas que permite não apenas constituir-se como autor, mas também aprender consigo mesmo e com os outros

A essa altura da pesquisa sobre a educação, já aprendemos muito com as propostas salvadoras de reformas e inovações. e com seus fracassos. Hoje sabemos, por exemplo, que os docentes não aprendem em contextos de formação que os desautorizam, que não vinculam seu desenvolvimento profissional ao seu saber e a um projeto de melhoria. Temos evidências também do que significa aprender com sentido, de quais são as condições que favorecem a mudança nos professores, de como criar condições de liderança educacional que estimulem e envolvam e do que pode ajudar os jovens a viver a escola como um lugar apaixonante.
Aprendemos igualmente que não existem fórmulas que sejam válidas para todos e em todos os lugares. Que o conhecimento educacional acumulado deve ser apropriado e submetido à crítica em função de cada história e contexto. Que algo que pode ter "funcionado" em um lugar, em outro se converte em uma ação colonizadora que coloca os professores e os alunos em posições de subordinação. Sabemos que a teoria, entendida, como nos sugere Eagleton (2005, p. 13), como uma "reflexão sistemática sobre as suposições que nos orientam", tem sentido na formação quando ajuda a se reconhecer na prática, a dar nome ao que acontece na sala de aula ou na escola, orientando-nos na práxis diária, e não quando leva a denominações vazias que separam os educadores de sua atividade e da construção de seu próprio saber.

Hoje sabemos que, na formação, o educador aprende quando se sente "tocado", quando encontra espaço para que sua experiência se converta em fonte de saber - um saber que lhe permita reconhecer-se, descobrir o outro e ser reconhecido; um saber que vá além da ação imediata e que se projete em uma atividade que o ajude a aprender consigo mesmo e, sobretudo, que o comprometa. Sabemos também quais são as circunstâncias que fazem com que a formação dos professores se converta em uma experiência de indagação, na qual os educadores se sintam autorizados e envolvidos para continuar aprendendo e assumindo sua profissão como desafio e compromisso.

APRENDER A PARTIR DA INDAGAÇÃO
Durante nossa recente estada no Brasil, participamos de uma experiência de formação com educadores, assessores e formadores que procurou levar em conta alguns aspectos do saber acumulado em torno da formação baseada na indagação sobre a experiência.
Tradicionalmente, a formação realiza-se pela transmissão dos que sabem (pela posição de poder que ocupam, pelas práticas que acumulam, etc.) a quem se costuma colocar na posição de não saber. Outra maneira de realizar a formação é compartilhar experiências que permitam apropriar-se das práticas de outros, porém muitas vezes descontextualizadas e desprovidas das referências que as orientam. Por isso, quando essas práticas chegam a outras salas de aula e escolas, elas não têm história, não respondem a uma necessidade, carecem de vida e diluem-se pelo fato de não encontrar um interlocutor que as incorpore.

Essas duas perspectivas não garantem aprender, no sentido indicado por Charlot (2005, p. 20) de "apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo", ou seja, um aprender que permita reconstruir situando a própria experiência como aprendiz. Por isso, já há algum tempo, consideramos que a experiência de formação não deve vir de fora, como uma tecnologia salvadora que promete a solução ou o remédio para os problemas da educação. O conteúdo e o processo da formação devem partir dos sujeitos. É a indagação sobre suas experiências significativas que lhes permite não apenas constituir-se como autores, mas também aprender consigo mesmos e com os outros. Dessa aprendizagem decorre o conhecimento que se encarna na práxis.
No entanto, o caminho do conhecimento é um trajeto que impõe reconhecer a dor que implica saber: o que contradiz a posição do conhecimento como atividade prazerosa, recepção alienada ou euforia salvadora. Com essa dor, a formação parte da "incerteza", não como um "não saber", mas como possibilidade de saber. Como meio de enfrentar o risco de não começar do zero, já que o conhecimento começa quando a pessoa se reconhece, ou quando é capaz de se reconhecer no conhecimento existente. Isso nos leva a questionar a hegemonia e a obsessão para que o conteúdo da formação possa ser levado de maneira imediata à prática. Por essa razão, torna-se necessário envolver-se no processo de formação: quando o sujeito sente-se envolvido, a possibilidade de ser abre-se à reflexão, enquanto a prática converte-se em experiência refletida e vivida.
A suposição desse apanhado geral é que uma pessoa aprende melhor se o aprender não é considerado apenas como um ato cognitivo, e sim como uma experiência vinculada à construção de sentido, relacionada à própria pessoa, aos outros e ao mundo. Isso significa reconhecer-se e ser reconhecido como sujeito de experiência que, a partir da sua aspiração a ser, relaciona-se a outras experiências - de saber, de vida, de "alteridade". Sem esquecer que aprender não é uma experiência que só olha para o ser, porque também se projeta em uma posição política que supõe reconhecer-se com capacidade de autoria.


A EXPERIÊNCIA VIVIDA COMO LUGAR DA FORMAÇÃO


Com essa meta no horizonte, e como uma iniciativa do Centro de Estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE), constituímos dois grupos de estudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos quais nossos relatos de experiência constituíram a base de nossa indagação e formação. Dois grupos nos quais se produziram formas de saber a partir do diálogo com experiências significativas em nossas trajetórias profissionais. Essa maneira de entender a formação articula-se como cruzamento entre a proposta de formação baseada na indagação de Lieberman e Lynne Miller (2003) e a perspectiva de investigação sobre a experiência vivida de Van Manen (2003).
Propusemos aos participantes que escrevessem um texto sobre uma experiência que julgavam relevante em sua trajetória profissional, que tivesse um valor especial no momento de dar sentido ao seu modo de olhar e de se olhar. Partimos desses textos para observar aspectos relevantes das experiências, ao mesmo tempo em que os relacionamos aos relatos dos demais participantes e às vozes de outros autores. Com tudo isso, fomos construindo uma polifonia de textos e "dizeres" que estamos articulando como uma pesquisa e que tornamos pública como parte do propósito de nossa formação.
O que significa refletir a partir da experiência? Projetar um sujeito em formação que tem consciência de sua experiência de ser, que participa da produção de seu próprio saber e que se reconhece com capacidade de ação em companhia de outros. Isso implica relacionar diferentes saberes: o biográfico, restituindo o eu como fonte de saber e com capacidade de autoria sobre sua própria história; o do conhecimento pedagógico, como caminho que permite situar a origem e as forças que atuam sobre tudo aquilo que se considera naturalizado na educação; o da crítica, mediante identificação das práticas de discurso que fixam maneiras de ser e de olhar; o do posicionamento político, do qual decorrem as conseqüências para a práxis. Saberes que não se vivem de modo fragmentado, mas sim relacionados em torno da experiência de ser de cada um dos participantes. Tudo isso em um quadro político em que se revaloriza e fortalece a voz dos que "fazem" sua própria formação.
Essa maneira de entender a formação é não apenas uma recuperação do saber acumulado em torno da formação com sentido, mas também uma resposta à crise atual da educação. Crise que se poderia resumir no fato de muitos alunos resistirem diante da forma como lhes ensinam na escola e muitos professores não quererem aprender outro modo de ensinar, diferente daquele que sempre utilizaram. Por isso, pensamos que hoje, mais do que nunca, os professores precisam rever o que constituiu o fundamento de sua prática e criar novos meios de conhecer e de relacionar-se com o conhecimento e com os aprendizes. Isso supõe ir além dos limites do que parece aceitável para que possamos repensar e transgredir, produzir novas narrativas e experiências de aprendizagem com sentido. Assim, pode-se começar a construir uma nova narrativa para a educação, pensando em sujeitos que estão em trânsito para o incerto e o desconhecido. Para quem aprende, essa pode ser uma experiência apaixonante.


Fernando Hernández é professor da Universidade de Barcelona e co-diretor do Centro de estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE).

Juana María Sancho é professora de Didática e Organização Educacional da Universidade de Barcelona e co-diretora do Centro de Estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE).
REFERÊNCIAS
CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.
EAGLETON, T. Después de la teoría. Madri: Debate, 2005.
LIEBERMAN, A.; WOOD, D. Redes formativas. Cuadernos de Pedagogía, n. 319, p. 38-42, 2002.
LIEBERMAN, A.; LYNNE MILLER, L. La indagación como base de la formación del profesorado. Barcelona: Octaedro, 2003.
VAN MANEN, M. Investigación educativa y experiencia vivida. Barcelona: Idea Books, 2003.

Ano X - Nº 40 - Formação Docente - Novembro de 2006 à Janeiro de 2007

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