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sábado, 26 de março de 2011

Formação Continuada

A formação a partir da experiência vivida
Fernando Hernández e Juana María Sancho
É a indagação sobre as experiências significativas que permite não apenas constituir-se como autor, mas também aprender consigo mesmo e com os outros

A essa altura da pesquisa sobre a educação, já aprendemos muito com as propostas salvadoras de reformas e inovações. e com seus fracassos. Hoje sabemos, por exemplo, que os docentes não aprendem em contextos de formação que os desautorizam, que não vinculam seu desenvolvimento profissional ao seu saber e a um projeto de melhoria. Temos evidências também do que significa aprender com sentido, de quais são as condições que favorecem a mudança nos professores, de como criar condições de liderança educacional que estimulem e envolvam e do que pode ajudar os jovens a viver a escola como um lugar apaixonante.
Aprendemos igualmente que não existem fórmulas que sejam válidas para todos e em todos os lugares. Que o conhecimento educacional acumulado deve ser apropriado e submetido à crítica em função de cada história e contexto. Que algo que pode ter "funcionado" em um lugar, em outro se converte em uma ação colonizadora que coloca os professores e os alunos em posições de subordinação. Sabemos que a teoria, entendida, como nos sugere Eagleton (2005, p. 13), como uma "reflexão sistemática sobre as suposições que nos orientam", tem sentido na formação quando ajuda a se reconhecer na prática, a dar nome ao que acontece na sala de aula ou na escola, orientando-nos na práxis diária, e não quando leva a denominações vazias que separam os educadores de sua atividade e da construção de seu próprio saber.

Hoje sabemos que, na formação, o educador aprende quando se sente "tocado", quando encontra espaço para que sua experiência se converta em fonte de saber - um saber que lhe permita reconhecer-se, descobrir o outro e ser reconhecido; um saber que vá além da ação imediata e que se projete em uma atividade que o ajude a aprender consigo mesmo e, sobretudo, que o comprometa. Sabemos também quais são as circunstâncias que fazem com que a formação dos professores se converta em uma experiência de indagação, na qual os educadores se sintam autorizados e envolvidos para continuar aprendendo e assumindo sua profissão como desafio e compromisso.

APRENDER A PARTIR DA INDAGAÇÃO
Durante nossa recente estada no Brasil, participamos de uma experiência de formação com educadores, assessores e formadores que procurou levar em conta alguns aspectos do saber acumulado em torno da formação baseada na indagação sobre a experiência.
Tradicionalmente, a formação realiza-se pela transmissão dos que sabem (pela posição de poder que ocupam, pelas práticas que acumulam, etc.) a quem se costuma colocar na posição de não saber. Outra maneira de realizar a formação é compartilhar experiências que permitam apropriar-se das práticas de outros, porém muitas vezes descontextualizadas e desprovidas das referências que as orientam. Por isso, quando essas práticas chegam a outras salas de aula e escolas, elas não têm história, não respondem a uma necessidade, carecem de vida e diluem-se pelo fato de não encontrar um interlocutor que as incorpore.

Essas duas perspectivas não garantem aprender, no sentido indicado por Charlot (2005, p. 20) de "apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo", ou seja, um aprender que permita reconstruir situando a própria experiência como aprendiz. Por isso, já há algum tempo, consideramos que a experiência de formação não deve vir de fora, como uma tecnologia salvadora que promete a solução ou o remédio para os problemas da educação. O conteúdo e o processo da formação devem partir dos sujeitos. É a indagação sobre suas experiências significativas que lhes permite não apenas constituir-se como autores, mas também aprender consigo mesmos e com os outros. Dessa aprendizagem decorre o conhecimento que se encarna na práxis.
No entanto, o caminho do conhecimento é um trajeto que impõe reconhecer a dor que implica saber: o que contradiz a posição do conhecimento como atividade prazerosa, recepção alienada ou euforia salvadora. Com essa dor, a formação parte da "incerteza", não como um "não saber", mas como possibilidade de saber. Como meio de enfrentar o risco de não começar do zero, já que o conhecimento começa quando a pessoa se reconhece, ou quando é capaz de se reconhecer no conhecimento existente. Isso nos leva a questionar a hegemonia e a obsessão para que o conteúdo da formação possa ser levado de maneira imediata à prática. Por essa razão, torna-se necessário envolver-se no processo de formação: quando o sujeito sente-se envolvido, a possibilidade de ser abre-se à reflexão, enquanto a prática converte-se em experiência refletida e vivida.
A suposição desse apanhado geral é que uma pessoa aprende melhor se o aprender não é considerado apenas como um ato cognitivo, e sim como uma experiência vinculada à construção de sentido, relacionada à própria pessoa, aos outros e ao mundo. Isso significa reconhecer-se e ser reconhecido como sujeito de experiência que, a partir da sua aspiração a ser, relaciona-se a outras experiências - de saber, de vida, de "alteridade". Sem esquecer que aprender não é uma experiência que só olha para o ser, porque também se projeta em uma posição política que supõe reconhecer-se com capacidade de autoria.


A EXPERIÊNCIA VIVIDA COMO LUGAR DA FORMAÇÃO


Com essa meta no horizonte, e como uma iniciativa do Centro de Estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE), constituímos dois grupos de estudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos quais nossos relatos de experiência constituíram a base de nossa indagação e formação. Dois grupos nos quais se produziram formas de saber a partir do diálogo com experiências significativas em nossas trajetórias profissionais. Essa maneira de entender a formação articula-se como cruzamento entre a proposta de formação baseada na indagação de Lieberman e Lynne Miller (2003) e a perspectiva de investigação sobre a experiência vivida de Van Manen (2003).
Propusemos aos participantes que escrevessem um texto sobre uma experiência que julgavam relevante em sua trajetória profissional, que tivesse um valor especial no momento de dar sentido ao seu modo de olhar e de se olhar. Partimos desses textos para observar aspectos relevantes das experiências, ao mesmo tempo em que os relacionamos aos relatos dos demais participantes e às vozes de outros autores. Com tudo isso, fomos construindo uma polifonia de textos e "dizeres" que estamos articulando como uma pesquisa e que tornamos pública como parte do propósito de nossa formação.
O que significa refletir a partir da experiência? Projetar um sujeito em formação que tem consciência de sua experiência de ser, que participa da produção de seu próprio saber e que se reconhece com capacidade de ação em companhia de outros. Isso implica relacionar diferentes saberes: o biográfico, restituindo o eu como fonte de saber e com capacidade de autoria sobre sua própria história; o do conhecimento pedagógico, como caminho que permite situar a origem e as forças que atuam sobre tudo aquilo que se considera naturalizado na educação; o da crítica, mediante identificação das práticas de discurso que fixam maneiras de ser e de olhar; o do posicionamento político, do qual decorrem as conseqüências para a práxis. Saberes que não se vivem de modo fragmentado, mas sim relacionados em torno da experiência de ser de cada um dos participantes. Tudo isso em um quadro político em que se revaloriza e fortalece a voz dos que "fazem" sua própria formação.
Essa maneira de entender a formação é não apenas uma recuperação do saber acumulado em torno da formação com sentido, mas também uma resposta à crise atual da educação. Crise que se poderia resumir no fato de muitos alunos resistirem diante da forma como lhes ensinam na escola e muitos professores não quererem aprender outro modo de ensinar, diferente daquele que sempre utilizaram. Por isso, pensamos que hoje, mais do que nunca, os professores precisam rever o que constituiu o fundamento de sua prática e criar novos meios de conhecer e de relacionar-se com o conhecimento e com os aprendizes. Isso supõe ir além dos limites do que parece aceitável para que possamos repensar e transgredir, produzir novas narrativas e experiências de aprendizagem com sentido. Assim, pode-se começar a construir uma nova narrativa para a educação, pensando em sujeitos que estão em trânsito para o incerto e o desconhecido. Para quem aprende, essa pode ser uma experiência apaixonante.


Fernando Hernández é professor da Universidade de Barcelona e co-diretor do Centro de estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE).

Juana María Sancho é professora de Didática e Organização Educacional da Universidade de Barcelona e co-diretora do Centro de Estudos sobre a Mudança na Cultura e na Educação (CECACE).
REFERÊNCIAS
CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.
EAGLETON, T. Después de la teoría. Madri: Debate, 2005.
LIEBERMAN, A.; WOOD, D. Redes formativas. Cuadernos de Pedagogía, n. 319, p. 38-42, 2002.
LIEBERMAN, A.; LYNNE MILLER, L. La indagación como base de la formación del profesorado. Barcelona: Octaedro, 2003.
VAN MANEN, M. Investigación educativa y experiencia vivida. Barcelona: Idea Books, 2003.

Ano X - Nº 40 - Formação Docente - Novembro de 2006 à Janeiro de 2007

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