Entrevista
Sonia Jackson
Não apenas uma sólida formação profissional, mas também as características pessoais são importantes no perfil de um educador que trabalha com bebês. Para Sonia Jackson, especialista em educação da primeira infância que hoje atua no Instituto de Educação da Universidade de Londres, além de entender de psicologia, sociologia e desenvolvimento infantil, o professor de crianças pequenas deve ter afeição genuína por crianças, paciência, calma e afetuosidade. Reconhecida internacionalmente por suas pesquisas sobre o bem-estar infantil, Sonia Jackson é co-autora do livro Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em creche, escrito em parceria com Elinor Goldschmied e publicado no Brasil pela Artmed. Nesta entrevista, realizada por e-mail, ela fala sobre a educação infantil na Inglaterra e explica alguns recursos apresentados no livro, como o cesto dos tesouros e o brincar heurístico. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Na Inglaterra existe um número significativo de crianças que não freqüentam nenhum tipo de creche?
Quase todas as crianças hoje vivem algum tipo de experiência em grupo antes de iniciar a escola obrigatória aos 5 anos. As que não o fazem normalmente pertencem às famílias mais pobres, de imigrantes ou de refugiados. Existem algumas famílias que optam por educar seus filhos em casa, em vez de mandá-los para a escola, e isso é permitido, desde que os pais demonstrem competência para educá-los. Na prática, as únicas pessoas que escolhem esse caminho são de classe média, têm bom nível de instrução, salários relativamente altos e fortes convicções sobre a educação dos filhos. Existem alguns subsídios financeiros para as despesas com creches, mas não o suficiente. As creches oferecem apenas educação em tempo parcial (em geral, duas horas e meia três vezes por semana). Contudo, a educação pública na escola agora começa no período letivo após o quarto aniversário da criança; logo, muitas crianças de 4 anos freqüentam a escola em tempo integral, das 9h às 15h15.
Qual é o papel do brincar no desenvolvimento do bebê?
Considero muito importante que os bebês tenham oportunidade de brincar com diversos objetos interessantes, de preferência materiais naturais, e não brinquedos comerciais mecânicos. Bebês mais velhos precisam ter oportunidades para explorar livremente assim que aprendem a andar.
Como as creches devem ser fisicamente divididas para acomodar as diferentes necessidades de linguagem dos primeiros anos de vida?
Prefiro o sistema italiano, no qual grupos de crianças da mesma idade ocupam salas diferentes e avançam junto com seus professores, ao sistema de "agrupamento familiar" usado em algumas creches inglesas. No entanto, o que acontece dentro das salas e o relacionamento das crianças com os funcionários são os aspectos mais importantes. As divisões devem ser permeáveis para que irmãos possam ver-se durante o dia e os relacionamentos com professores em outras salas possam ser sustentado.
O que é o "cesto do tesouro", criado por Elinor Goldschmied?
Trata-se de um modo de apresentar materiais lúdicos para bebês que já são capazes de ficar sentados, mas ainda não sabem caminhar, que lhes permite explorar de forma independente, sem a desnecessária interferência de um adulto. O cesto é apenas um dos muitos aspectos da "educação" de bebês, porém não substitui, e sim complementa, todas as atividades normais de uma creche.
O que é brincar heurístico, descrito em Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em creche? Que importância ele tem?
Brincar heurístico é o equivalente ao cesto do tesouro para bebês depois que eles já aprenderam a caminhar e envolve a criação de um espaço protegido para as crianças participantes. Isso dá bastante trabalho aos professores e recreacionistas das creches, razão pela qual tende a ser oferecido apenas uma ou duas vezes por semana. Aproveita-se a necessidade que as crianças parecem ter, em seu segundo ano de vida, de pôr e tirar coisas de recipientes. Muitos objetos naturais de diferentes formas e consistências são colocados à disposição de crianças em grupos menores, juntamente com caixas e latas. A tendência natural nessa idade é pegar as coisas, andar com elas e colocá-las em outros lugares. Essa atividade pode ser muito irritante para os adultos, incluindo as mães, mas o modo heurístico de brincar utiliza esse instinto para fins educacionais. Poderíamos dizer que, no cesto do tesouro, o bebê está basicamente perguntando "O que é isso aqui? Qual é sua aparência, sensação e gosto?", enquanto na fase do brincar heurístico ele passa a perguntar "O que posso fazer com esse objeto?".
Na sua opinião, que conhecimento ou capacidades são mais importantes na formação dos educadores de crianças?
Esta é uma pergunta muito ampla, e qualquer resposta corre o risco de ser superficial ou banal. Creio que educadores de crianças pequenas precisam ter a mesma formação que outros professores. Isso inclui uma compreensão abrangente do desenvolvimento infantil, assim como de psicologia, sociologia e política social, ou seja, uma formação básica em ciências sociais. Eles necessitam ainda de conhecimentos sobre saúde e nutrição. Em outras palavras, os professores devem ser capazes de ter uma visão holística da criança na família e no ambiente social. Além disso, são necessárias qualidades pessoais, como afeição genuína por crianças, paciência, calma, afetuosidade, capacidade de trabalhar harmoniosamente com os outros, de se colocar no lugar da criança e enxergar os fatos do ponto de vista dela. Artes, música e teatro também constituem um aspecto importante de sua educação/formação.
Entrevista publicada na revista pátio Ano V - Nº 13 - Educando Crianças de 0 a 3 anos - Março à Junho de 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário