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sábado, 25 de dezembro de 2010

Uma prática para a reflexão do fazer educacional-pedagógico

 

Altino José Martins Filho
Por meio da documentação podemos conhecer as crianças de forma concreta e contextualizada, bem como visualizar a maneira como construímos a nós mesmos
A discussão sobre a documentação pedagógica no Brasil vem adquirindo maior destaque a partir do final da década de 1990, tendo como base os estudos desenvolvidos nas escolas da região de Reggio Emilia, uma cidade italiana localizada ao nordeste do país, entre Parma e Bologna. Tal abordagem tem servido como modelo para a educação de crianças menores de 6 anos, não só no Brasil como no mundo todo.
Na concepção dos italianos, a documentação pedagógica é um instrumento vital para a criação de uma prática educativa reflexiva e democrática. Podemos dizer que o que mais tem atraído muitos(as) professores(as) para essa proposta é justamente o fato de ela possibilitar e constituir-se em um processo de comunicação no qual as muitas vozes - das crianças, dos pedagogos, dos pais, dos administradores - possam ser ouvidas, garantindo, assim, a expressão de uma multiplicidade de perspectivas.
Tem-se aí um exemplo claro daquilo que Gandini e Goldhaber (2002, p.150-151) analisaram. Para as duas autoras, quando documentamos algo, estamos deliberadamente optando por observar e registrar os acontecimentos em nosso ambiente a fim de pensar e comunicar as surpreendentes descobertas do cotidiano das crianças e os extraordinários acontecimentos que ocorrem nos lugares em que elas são educadas.
O registro do cotidiano, compreendido como um documento da ação pedagógica, é uma possibilidade de transgressão, de superação do fazer educacional-pedagógico tradicional. Digo isso pelo fato de as diferentes formas de registro (escrito, fotográfico ou usando outros recursos) permitirem conhecer de maneira mais precisa nossas crianças. A partir desse conhecimento do grupo, é possível o professor iniciar uma maior compreensão da prática educativa e da teoria que a fundamenta, pois a documentação é também um meio de produzir conhecimentos e teorias.
Entretanto, o intuito, a priori, é preconizar a importância de registrar e desenvolver constantemente a documentação do cotidiano educativo do grupo de crianças que assumimos. Falo de uma documentação que supere o isolamento das ações, que vá além de um caderno de registro das atividades, uma simples avaliação do desenvolvimento das crianças ou uma lista de situações a executar ou já realizadas. Registro para cumprir a burocracia da escola é material "morto" e sem utilidade.
Mas para que serve a documentação da prática pedagógica? Estou apontando para um tipo de registro que declare a especificidade de cada criança como ser único, que sinalize as manifestações, os interesses e os desejos dessa criança, fornecendo suporte para a avaliação e a reflexão do cotidiano institucional. Nesse caso, precisamos de espaços para discussões coletivas nas creches e pré-escolas a fim de que os registros apresentados possam dar suporte aos projetos institucionais. É importante a sistematicidade desses momentos com vistas ao compartilhamento do fazer educacional e à troca de experiências entre os(as) professores(as).
Concordo novamente com os autores italianos quando dizem que, ao registrar a prática, podemos aprender duas vezes com a nossa própria experiência profissional. A primeira ao documentarmos nossas vivências, que é um registro vivo da prática pedagógica. A segunda ao relermos nossos registros, posteriormente, apropriando-nos das escolhas que selecionamos para documentar. Algo que possibilita revisitar nossas memórias quantas vezes for necessário, criando novas interpretações e reconstruções do que aconteceu no passado. Isso permite desenvolver um processo de reflexão, comunicação e diálogo constante do professor e das crianças sobre os rumos do fazer educacional.
Por essa razão, almejo uma prática pedagógica que não seja balizada pelas certezas de um profissional que já sabe predizer que criança está à sua frente, mas que a compreenda como um outro constituído pela diversidade e pela alteridade. Nesse rol de idéias, os estudos contemporâneos sobre a infância e a sua educação têm delineado que a criança é um ser social, que tem história, que é produtora e reprodutora do meio no qual está inserida, atuando também como produtora e consumidora de culturas. Ela é, portanto, ativa, com particularidades, marcas culturais e necessidades especificas, sem estar somente à mercê do adulto, tendo muito a dizer e expressar.
Por meio da documentação, podemos conhecer as crianças de forma concreta e contextualizada, bem como visualizar a maneira como construímos a nós mesmos. Este é um potencial crítico que, por sua vez, pode funcionar como um processo de aprendizagem. Para finalizar, lembro algo que Dahlberg e colaboradores (2003, p. 204) afirmam: "A arte de ouvir, escutar e registrar o que o outro está dizendo ou fazendo, levando-o a sério, está relacionada à ética de um encontro".

REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS



GANDINI, L.; GOLDHABER, J. Duas reflexões sobre a documentação. In: GANDINI, L.; EDWARDS, C. (orgs.). Bambini: a abordagem italiana à educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2002.

DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.



Altino José Martins Filho é mestre em Educação e Infância, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação da Pequena Infância/UFSC e do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Escola/GEPIEE/UFSC.

altinojm@ig.com.br

Matéria publicada na Revista Pátio Online

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